O suicídio é um importante problema de saúde pública, que atinge o mundo todo e gera grandes prejuízos à sociedade. De acordo com a última pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019, são registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, sem contar os episódios subnotificados. Assim, estima-se mais de 1 milhão de casos. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, ou seja, em média, 38 pessoas cometem suicídio por dia. Fonte: ABP
Paulo Viana entrevistou a Dra. Lorena Caleffi, Psiquiatra do Hospital Moinhos de Vento, que respondeu algumas das perguntas mais frequentes sobre o tema:
Quais são os sinais de alerta que uma pessoa emite ao estar enfrentando um quadro que pode levar ao suicídio?
Os sinais de alerta são relacionados a um quadro depressivo grave. Começa com perda de interesse e de prazer nas atividades diárias associado a um humor triste e deprimido recorrente, todos os dias, por pelo menos duas a três semanas. Esses dois sintomas principais muitas vezes estão associados ao aumento de queixas de perda de apetite, insônia ou dormir mal.
Nos quadros mais graves, a pessoa não atende mais o telefone, não tem interesse de conversar com as outras pessoas, não tem mais interesse em sair de casa, começa a dizer que vida não vale a pena, se sente culpado por todos os problemas. Então, quando esses sintomas aparecem em conjunto, configura-se um diagnóstico de depressão e, quando grave o suficiente, pode levar a ideação suicida.
Diante desse quadro, onde buscar ajuda? Vale tanto para quem percebe que um amigo ou ente querido que passa por esta situação ou para o próprio paciente.
Buscar ajuda de profissionais da saúde mental: psicólogos e psiquiatras. Infelizmente, ainda temos muito preconceito com a ajuda psiquiátrica. A busca direta por esse profissional seria ideal para esses quadros. Em uma situação de urgência, quando a pessoa é encontrada realizando uma tentativa de suicídio ou falando enfaticamente que está com a ideia de acabar com a própria vida, precisamos prestar muita atenção.
Existe um mito de que “quem quer se matar não avisa” – e pelo contrário. Esse tipo de aviso precisa ser levado muito a sério. Então, é preciso levar essa pessoa a um atendimento de emergência, seja emergência psiquiátrica ou de um hospital geral, locais que possuem atendimento psiquiátrico de urgência.
Muitas pessoas têm receio de perguntar ao outro se ele está com pensamentos suicidas. Temos de perguntar! Pode ser chance de a pessoa que está sofrendo se sentir à vontade para compartilhar o que está sentindo. Muita gente pensa: “não vou perguntar para não dar ideia.” Na verdade, a pessoa já está com a ideia – e perguntar pode abrir a porta para uma potencial ajuda.
Quais são os fatores que aumentam o risco de suicídio?
Ter uma doença crônica, estar em um quadro depressivo sem tratamento, ser solteiro ou divorciado (não ter um relacionamento estável), ser uma pessoa solitária, estar desempregado, entre outros.
A pessoa que ameaça cometer suicídio pode estar querendo chamar a atenção? Isso pode estar ligado com alguma doença ou transtorno mental?
Sim, uma situação está ligada a outra. Uma pessoa que ameaça se matar para chamar atenção é algo que precisa de atenção de fato. Em um impulso, a pessoa pode efetivamente se matar ou se colocar em uma situação de risco contra si, como se machucar de forma grave. Esses comportamentos podem estar relacionados a transtornos de personalidade. Não é uma situação muito comum, mas pode acontecer.
Adolescentes em crise vital, de crescimento, de identidade podem ter algum impulso nesse sentido, mas sempre é algo para se levar a sério, não deixar passar. Menosprezar esse tipo de situação por achar que é algo que a pessoa está fazendo só para chamar atenção é sempre um risco.
Qual o papel da mídia, da família e da sociedade na prevenção ao suicídio?
A mídia tem feito um papel muito interessante de não noticiar esse tipo de fato. Na família e na sociedade, o que contribui para a prevenção é o assunto não ser tabu. Quando a pessoa se vê nessa situação, com esse tipo de pensamento, ela precisa se sentir confortável para compartilhar sem o risco de ser criticada, de ser excluída, de ser ridicularizada. Então, o papel da família e dos amigos é de acolhimento.
O Brasil precisa de políticas públicas de saúde mental, o que precisa melhorar?
O Brasil precisa de políticas melhores de saúde mental. Nossas leis de saúde mental são muito atrasadas. Temos cada vez menos possibilidades de tratamento de doenças que são muito graves. As leis antimanicomiais estão aí para nos mostrar o quanto essa política de saúde mental está sendo improdutiva. Agora, estão fechando os manicômios judiciais, que abrigam pessoas extremamente comprometidas, extremamente doentes que não têm culpa de serem assim. Elas nasceram dessa forma. É a mesma coisa dizer a uma pessoa que anda de cadeira de rodas que ela não vai mais poder usar uma cadeira de rodas porque alguém decidiu que isso não é bom para sociedade. É um contrasenso, é um paradoxo.
Então, é muito vasta a necessidade de mudanças nas políticas públicas relacionadas à saúde mental no Brasil, principalmente no pós-pandemia. Estamos vendo um incremento de quase 40% nos diagnósticos de depressão e de ansiedade diante de um sistema estrangulado de Centros de Atendimentos Psicossocial (CAPS) disponíveis. É preciso melhorar o acesso. O ideal seria ter um CAPS por microrregião para absorver as pessoas perto das suas casas, das suas escolas, dos seus trabalhos. O que acontece é que muitas pessoas estão vivendo quadros graves e, por vezes, o tempo de resposta do atendimento público é muito demorado.