Moisés Machado

Foto: Giovanna Kops / RDCTV

EDITORIA DE POLÍCIA

Na noite de ontem, 31, no quarto de hora que divide o crepúsculo e o romper da aurora, quando apagam-se as luzes dos cabarés e as putas vomitam suas dores, seus amores e expelem toda cocaína onde afogaram suas angústias e mágoas, foi neste instante que pôs-se em completa desgraça um pobre diabo traído.

O cidadão desonrado, embriagado de tristeza e várias doses de conhaque ao encontrar nos braços de outro quem um dia jurou amar-lhe, frente ao padre, padrinhos, família e uma igreja lotada de pseudos amigos, que levaram presentes ordinários, comeram, beberam, dançaram e saíram futricando noite à dentro.

Frente a frente, três tiros na boca.

A infiel caiu ao solo com o rosto desfigurado enrubescendo o porcenalato do bar, abrigo de bêbados em final de carreira e trainees de mendigos na zona leste desta capital. No olhar anilado guardou como última lembrança as olheiras da jovem morena que bebia um vermute e acendia um cigarro no outro como que a pedir socorro para que naquela noite não fosse ela também a dar trabalho ao coveiro municipal.

Testemunha ocular do crime um infeliz que bebia para afogar a desventura de um amor perdido, tentou intervir aos gritos de: não amargue as dores que amargo, não faça o que eu fiz, não ponha fim no brilho dos olhos que um dia te fizeram feliz.

De nada adiantou, ébrio o pobre diabo empurrado caiu sobre outro que com os poucos trocados que guardava nos bolsos, reprimia sua agonia em uma cachaça barata, vigiado pelo escárnio de seu cupido desiludido. Surdo, cego e desatinado o funesto galhudo, agora o mais novo assassino da praça, em prantos ainda teve forças de dar fim ao negro forte e espadaúdo e olhar de Czernobog que ainda carregava na boca o carmim dos lábios da defunta e no corpo seu perfume que carregaria pela eternidade.

Por fim, soluçando, alheio a gritaria, engatilhou o belo revólver 32, Smith Wesson, cano longo inox  e cabo de madrepérola com uma pequena rachadura no alto,  sussurrou algo inaudível e enfiou uma bala nos próprios cornos fechando a trinca fúnebre.

Absorto um gordo de uma vez só engoliu um conhaque, cruzou por cima do defunto assassino e saiu encorajado porta à fora. Do fundo do bar a morena ainda bebia o mesmo vermute. E o velho Nicolau com a mesma voz pastosa de sempre tentava esquecer Marcinha entre whiskys e charutos ordinários.

Com o sol alto e o bar vazio apontou na ladeira o rabecão para recolher o triângulo amoroso para eternidade.

O féretro triplo sairá da capela A rumo ao cemitério municipal onde ocorrerá às 17 horas o sepultamento da infiel e dos dois irmãos que na infância nos bailinhos da escola flertavam as mesmas meninas e jamais imaginariam hoje serem enterrados juntos, no mesmo dia, em cova rasa.

À família enlutada, os pêsames desta emissora.

Neste momento, dezessete graus, quinze horas e doze minutos, vamos com música aqui na mais ouvida.

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