“Me lembro de, uns dois anos atrás, eu e a minha mãe estávamos procurando por algum banheiro químico enquanto estávamos em um bloco de rua. Na volta, vinha um trio elétrico e tinha muita gente. No meio da multidão, apareceu um cara trás de mim e ficou roçando a genitália dele ereta em mim e quando ele fiz isso eu me afastei, mas ele continuou se aproximando e me tocando. Na quarta vez que ele repetiu o ato, eu já estava muito brava, eu olhei para ele com um olhar de repúdio e ele parou. Isso não passou de um minuto, mas foi horrível. Eu senti muita vergonha, na hora não consegui nem contara para a minha mãe.”

Esse é um dos depoimentos que a reportagem da RDCTV ouviu para falar sobre importunação sexual, que agora é crime. O relato é de uma jovem que na época do ocorrido tinha 16 anos. Ela conta que estava acompanhada da mãe, durante um bloco de Carnaval, mas que quando sofreu o assédio sexual, não chegou a contar para ninguém. A jovem não chegou a fazer boletim de ocorrência por vergonha e por falta de conhecimento dos seus direitos, mas diz que hoje não ficaria mais quieta.

“Muitas atitudes parecidas com essa que eu passei são ‘normais’ na vida de nós mulheres, vivemos em uma sociedade machista e a gente acaba deixando passar, mas isso tem que mudar”, desabafa.

Não é uma história isolada, outro relato é de uma jovem que tem 23 anos e diz já ter sofrido diversos assédios, mas o mais impactante aconteceu quando tinha apenas 10 anos.

“Já sofri vários, não consigo nem lembrar direito, já me acostumei. Mas a mais forte que eu lembro é de quando eu tinha 10 anos. Eu fui passar o carnaval com a minha família na praia. De noite, eu estava andando com alguns amigos, meus pais estavam mais na frente. A gente acompanhava um bloco e de repente um cara esticou o braço e tentou tocar os meus peitos. Eu só desviei e continuei andando, mas morrendo de vergonha. É o primeiro assédio de que tenho memória. Eu tinha só 10 anos, sabe”.

Ela ainda conta quando alguma situação parecida acontece, ela não fica mais quieta, mas que ainda tem medo. “Não aceito mais, não podemos aceitar, mas se eu estou sozinha eu tenho um pouco de medo do cara ter alguma reação e me agredir, por exemplo”.

Esses tipos de relatos não são incomuns de ouvir entre mulheres, principalmente, as que frequentam festas e blocos de rua. Muitas acabam não fazendo nada, por medo de não saber como o importunador poderá reagir e acabam não denunciando.

Arte: Desirée Freitas/ RDCTV

Importunação sexual agora é crime

A passada de mão no cabelo, a encoxada, um toque indesejado e o beijo roubado são atos libidinosos e alguns dos exemplos que podem levar uma pessoa a cumprir pena de um a cinco anos de prisão.

O Carnaval de 2019 é  o primeiro em que a a Lei da Importunação Sexual (13.718/18) está em vigor desde setembro do ano passado. Antes, a importunação sexual não era considerada crime e a punição era apenas com multa, em alguns casos.

Apesar do número de registros de ocorrência de assédio e importunação terem um aumento nesta época, a lei vale para qualquer período do ano. Além disso ela se encaixa tanto para vítimas do sexo feminino quanto masculino. Para a advogada especialista em atendimento à mulheres Gabriela Souza, a implementação da lei acaba sendo mais importante para as mulheres, por serem as principais vítimas e que têm maior potencial. “A lei eleva o direito das mulheres apesar de não haver gênero”, destaca.

A advogada reforça que é preciso derrubar o medo que as mulheres têm do Judiciário e que elas precisam conhecer os seus direitos por, historicamente, terem sido tratadas de forma desigual em uma sociedade machista, cujos direitos chegaram sempre depois para o público feminino.

Mas afinal, o que é importunação sexual?

Qualquer prática relacionada ao prazer ou ato sexual, sem o consentimento de quem está sofrendo a ação é considerado importunação sexual. Isso vale tanto para um leve puxão de cabelo, ejaculação, toques indesejados (especialmente aqueles em áreas mais erotizadas do corpo), lambidas, mordidas, encoxada e até beijos.

 

 

Como denunciar

Existem duas maneiras de as mulheres fazerem as denúncias: em flagrante e sem flagrante. Se a vítima conseguir identificar o importunador, e ele estiver no local, é preciso ligar para o 190 (da Polícia Militar) ou chamar um policial que esteja por perto.

Quando não há o flagrante, a mulher deve reunir o máximo de informações possíveis como testemunhas, endereço correto do local e imagens e procurar uma delegacia para registrar o Boletim de Ocorrência (BO). A vítima também pode discar o 100 (Secretaria dos Direitos Humanos) ou 180 ou procurar diretamente delegacia de atendimento à mulher.

A advogada Gabriela reforça que mesmo a vítima não tenha muitas informações sobre o importunador é importante registrar uma ocorrência. “Isso gera estatísticas mais reais sobre a nossa realidade, influenciando diretamente em políticas públicas sobre o tema”.

 

O que muda com a lei

Antes, casos que hoje se encaixam na Lei de Importunação Sexual, eram punidos com multas, podendo variar de R$ 318 a R$ 47,7 mil, e prisão de 15 dias a dois meses. Esses atos eram tratados como importunação ofensiva ao pudor ou molestamento, ambos considerados contravenções – falta mais leve do que o crime.

 

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

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