“O sentimento é de total impotência, estamos na área de frente e estamos morrendo devido ao total descaso dos hospitais” é desta forma que a técnica de enfermagem Marli Alves da Silva, funcionária do Grupo Hospitalar Conceição define a emoção sentida ao receber a ligação confirmando que havia sido testado positivo ao Covid-19. Ela volta a citar a frustração quando cita a colega Mara Rúbia, funcionária do mesmo hospital, que foi a primeira profissional da saúde a falecer no Rio Grande do Sul por Covid19. “É uma mistura de sentimentos medo, raiva e total impotência”, lembra.

Marli sentiu os primeiros sintomas no dia 08/04, febre, dor no corpo, cansaço, perda do olfato e paladar, quatro dias depois o resultado positivo. Quando questionada onde ela imagina ter sido infectada Marli é taxativa: “foi no hospital onde trabalho”.

Ela ainda lembra ter sido proibida de utilizar os equipamentos no início do período pandêmico. “[O hospital] não deixou nos usar (sic) no primeiro instante lá no começo e aquela barreira de proteção ia evitar tantas pessoas afastadas, isso vai sair caro para o hospital”, lembra citando que dos oitos técnicos de enfermagem no setor onde trabalha 4 estão confirmados com Covid-19, enquanto outros 3 estão com suspeita e o setor precisou ser fechado por falta de pessoal.

O caso de Marli não é o único, uma profissional de enfermagem do Centro de Saúde Modelo que não quis se identificar destacou situação semelhante no local. “Temos que usar máscara cirúrgica por até 6 horas. Não temos acesso a avental, temos que trabalhar com nosso jaleco de tecido e leva-lo para lavar em casa, só tínhamos álcool gel, luva e uma máscara cirúrgica por turno. Máscara N95 não tivemos acesso”, destaca.

Não há consenso sobre denúncias entre entidades

Assim como os números de vítimas e contaminados tem larga notificação, conforme aponta o próprio poder público. Em estudo encomendado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) os números de contaminados em solo gaúcho seriam até 15 vezes maior que os números oficiais, nas denúncias realizadas por profissionais da área não é diferente. Nas denúncias de falta de EPI’s para profissionais da saúde a confusão nos números segue o mesmo padrão.

Conforme o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), no Brasil, há 29 profissionais de enfermagem mortos e 3.661 afastados com covid-19. Em São Paulo, epicentro da pandemia no país há 1.125 profissionais de enfermagem afastados de suas funções, tanto na rede pública, como privada. Na sequência vem Rio de Janeiro (894 casos), Santa Catarina (311), Minas Gerais (212) e na quarta posição o Rio Grande do Sul com 206 profissionais. O órgão ainda registrou 3.658 denúncias de falta de equipamentos de proteção individual (EPI´s)

Ainda há por parte da Associação Médica Brasileira (AMB), um registro de que Porto Alegre é a terceira cidade do país com mais denúncias de falta de EPI´s para profissionais da saúde durante a pandemia de Covid-19. Conforme o órgão, são 132 denúncias, ficando atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro.

Por sua vez, o Sindisaúde, em relatório enviado a nossa reportagem aponta 658 denúncias de falta de EPI’s em hospitais e postos de saúde de Porto Alegre.

As denúncias são das mais diversas, desde a falta de EPI’s adequados, que são a principal queixa, até terror psicológico perpetrado pelos gestores de equipe. No dia 09 de abril uma enfermeira do Hospital São Lucas da PUC denunciou que gestores estariam brincando com a saúde dos funcionários, os proibindo de usar máscaras e que funcionários que optassem por usá-las por conta própria estariam sendo advertidos, sob a alegação de que iriam assustar os pacientes.

No Instituto de Cardiologia outra profissional denuncia: “A chefia fez reunião com as atendentes e passou que não podemos usar máscaras dentro do hospital, pois assusta os pacientes. Nos orientou a usar só na ida e vinda de casa para o trabalho. Mas dentro do hospital não. Não será fornecido e não pode trazer de casa. E a vacina da gripe o hospital só vai fazer em técnicos de enfermagem e médicos. As demais áreas tem que procurar nos postos de saúde.”

No Hospital Independência um técnico de enfermagem de 39 anos tem medo de contaminar os filhos: “minha preocupação é que estamos atendendo mais de 30 pacientes e seus familiares sem usar máscara de proteção individual. Retiraram do posto de enfermagem todas as máscaras nos primeiros dias da epidemia e o álcool gel dos dispensers dos corredores e de dentro dos quartos, deixando apenas no posto de enfermagem, cada leito fica dois ou mais pacientes e seus familiares em visita diária, ter contato com todas estas pessoas sem máscara é um risco grande para contaminação do covid-19, me recuso a trabalhar sem este epi e faltei o trabalho nos últimos dois dias, estou muito preocupado pois tenho dois filhos um de 1 ano e meio e outro de quatro anos, tenho medo de me contaminar e contaminá-los com o covid-19”.

E elas vão se multiplicando, uma técnica de enfermagem de 43 anos do Hospital Nossa Senhora da Conceição tem medo de ter o mesmo trágico destino de Mara Rúbia, enfermeira do mesmo hospital que morreu vítima de Covid-19 no início do mês. “Além da falta de EPIS com a minha situação de ser do grupo de risco, o hospital acabou com a saúde do trabalhador, liguei perguntando se tinha médico para me atender e sobre afastamento e me disseram que o hospital não está afastando ninguém que o médico do trabalho que está atendendo é só para admissões, demissões e CAT. Fui no meu pneumologista e como estava com chiados no pulmão aquele dia me afastou por 15 dias. Mas falou que não estão autorizados a afastar por doença crônica. Estou preocupada com o meu retorno, depois do que aconteceu com a nossa colega. Também tem muito vai e vem de pacientes no nosso setor, difícil de manter distanciamento, já que somos emergência obstétrica. Tivemos uma paciente que fez cesárea a 9 dias atrás e está na UTI com suspeita de covid-19, ela não tinha sintomas e foi atendida normalmente por nós sem o avental ou máscara específica”, denuncia.

As denúncias ao Sindisaude podem através de um formulário de simples preenchimento no site do Sindisaude que após a denúncia a encaminha ao Ministério Público do Trabalho que faz a fiscalização. O presidente do Sindicato Júlio Jeisen cita que as principais denúncias vem dos hospitais Santa Casa de Caridade de Porto Alegre e Grupo Hospitalar Conceição, ambos de Porto Alegre.

O procurador do Ministério Público Rogério Uzun Sanfelici Fleischmann destacou as ações realizadas pelo MP em relação a negligência dos hospitais. “Nós adotamos um procedimento padrão de urgência, então em torno de 24 a 48 horas essa denúncia já está como o procurador”, diz. Fleishcmann também destaca que assim que a denúncia chega ao procurador é solicitado esclarecimentos urgentes a instituição denunciada. O procurador ainda lembra que há vários locais trabalhando e que vários deles tem alguma restrição e orienta os profissionais no procedimento da denúncia. “O próprio denunciante pode instruir a denúncia já com algum áudio ou foto, para que a gente já tenha a certeza da irregularidade para adotar a medida judicial se for necessário”, diz. O MPT também aceita denúncias através de seu site www.prt4.mpt.mp.br, nele com o tema coronavírus já foram feitas 600 denúncias entre elas falta de epi, ausência de distanciamento, falta de higienização do ambiente de trabalho e algumas denúncias com relação ao descumprimento do decreto que obriga determinados estabelecimentos a ficarem fechados.

Reportagem: Caroline Musskopf e Moisés Machado
Produção: Caroline Musskopf e Moisés Machado
Imagens: Moisés Machado e Rivelino Almeida
Texto: Moisés Machado
Roteiro: Caroline Musskopf
Edição: Caroline Musskopf

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