| Lívia Rossa |

“A experiência da amizade parece ter raízes fora do tempo, na eternidade. Um amigo é alguém com quem estivemos desde sempre (…)”. É com a frase do escritor Rubem Alves que a psicanalista e pós-doutoranda em estudos culturais do programa avançando de cultura contemporânea (PACC) da UFRJ, Renata Lisboa, introduz a importância da amizade na vida das pessoas.

De acordo com a psicanalista, pensar amizade é “falar um pouco de mim e como compreendo o mundo”, já que a experiência exemplifica a forma como os vínculos são estabelecidos.

“Vivemos no tempo da doença dos vínculos, onde as pessoas não conseguem se respeitar”, afirma Renata. Nesse sentido, segundo a estudiosa, a amizade surge como uma forma de pensar sobre o humano e em como as relações são interdependentes.

“Existe um certo estímulo na cultura para a autonomia, mas talvez esse incentivo venha de uma perspectiva mais individualista, ou até, em termos técnicos, uma onipotência”, discute a psicanalista, e acrescenta: “No entanto, somos seres do desamparo, o que reforça uma fragilidade maior do que imaginamos”, completa Renata.

Nesse sentido, na busca pela ajuda do outro, principalmente em meio à pandemia, a psicanalista percebe que o espírito de amizade poderia estar mais presente, embora exista uma tendência ao surgimento de uma rede de solidariedade por meio do reforço dos vínculos através das plataformas digitais.

Dos aprendizados, a psicanalista observa na pandemia uma forma de reformular as amizades e buscar alternativas para amenizar a necessidade do contato físico.

Ela, que recentemente participou, inclusive, de evento muito particular, um chá de bebê virtual, reitera que, mesmo com as reinvenções, “o abraço, o sorriso e o tom de voz dão um sentido mais real às amizades”, acrescenta.

Em contraponto, Renata diz que é preciso estar atento aos excessos. “Às vezes as pessoas não conseguem fazer da tela, uma janela”, afirma, querendo chamar a atenção para a qualidade de um encontro virtual.

Repertório de vida influencia na “experiência da pandemia”

Os recursos internos são parte decisiva da experiência da pandemia, diz a psicanalista. De acordo com ela, a condição de isolamento demonstra um encontro maior das pessoas com a sua intimidade, o que também diz muito sobre a forma como elas se relacionam na vida.

“A intimidade tem a ver com confiança e muitas pessoas não são capazes dessa experiência”, afirma. De fato, a demanda por atenção surgida na pandemia demonstra que algumas pessoas possuem dificuldade em “suportar a própria companhia”, palavras da especialista. “Quando a pessoa tem dificuldade de estar em contato consigo mesma, é muito mais difícil estabelecer relações com o outro”, completa, e afirma, que nesse parâmetro que costumam aparecer relações tóxicas, abusivas e sem criatividade.

A configuração de uma amizade também é ponto-chave para ver como um sujeito se relaciona, pois as amizades, quando saudáveis e criativas, permitem que as pessoas se expandam e possam construir coisas, afirma a psicanalista.

Cultivar a “vida fora das telas” é solução para não sobrecarregar amizades

A forma como cada pessoa vai encontrar para lidar com a pandemia é muito particular, mas uma maneira de tornar o tempo mais proveitoso é investir “no que há fora da tela”, afirma a psicanalista.

Em exemplo pessoal, a profissional conta um dia em que resolveu passear pela área externa do próprio condomínio e percebeu detalhes que não dava tanto valor antes. “Fiquei ali pensando na vida, refletindo”, diz.

Segundo ela, atividades como ler, ouvir música, escrever, exercitar trabalhos manuais e, até mesmo, treinar o “ficar em silêncio” podem trazer benefícios para as pessoas aprenderem a ficar a sós em suas companhias.

“Tendemos a olhar mais para fora, do que para dentro. É tempo de explorar aquilo que temos e entrar em contato com nosso íntimo”, completa.

Crédito foto: Unsplash / Heather McKean / Divulgação / RDC TV

Compartilhe essa notícia: