Morei 15 anos na China, em Shanghai, trabalhando no setor de importação e exportação. Minha rotina de trabalho era dividida em duas grandes atividades: a maior parte do tempo no escritório de Shanghai e a outra parte dentro de fábricas, acompanhando processos produtivos.

Foram muitas viagens a diferentes cidades e regiões da China. Em cálculo aproximado, devo ter viajado para mais de 200 cidades nestes 15 anos. Durante o verão escaldante da China, aprendi muito sobre dificuldades e oportunidades.

A experiência e expertise eram compartilhadas com os clientes do nosso escritório, obtendo substanciais vantagens quando comparado com os inúmeros concorrentes amparados pelos conhecidos “especialistas de gabinete” em China.

As altas temperaturas características no território chinês aumentam o consumo de energia nas grandes cidades e provocam seu racionamento no interior da China. As grandes cidades, por conta do seu enorme impacto econômico e social não podem parar.

Esta administração da restrição energética causa um grande rodízio de fornecimento entre as cidades no interior, onde algumas ficam até uma semana sem energia durante o dia, impactando no processo produtivo.

Pedidos atrasam, matéria prima tem alta de preços, fretes encarecem etc. Toda a cadeia, como seria de esperar, é afetada. Tudo neste período fica mais caro. Este momento exige muita informação e planejamento para diminuir os impactos nos custos. O recomendável sempre é procurar planejar suas compras e embarques fora do pico de verão Chinês, julho e agosto.

Lembro de presenciar inúmeras vezes trabalhadores de chão de fábrica pararem a produção por não aguentarem mais o calor dentro do prédio, demandando reuniões de emergência entre os diretores, gerentes e trabalhadores para avaliar soluções possíveis.

Finalmente o calor era vencido com um acordo entre as partes: 2 picolés, um de feijão e um de ervilha para cada trabalhador e 1h a menos de trabalho diário e todos voltavam felizes aos seus postos. Foi uma grande aventura presenciar estes fatos.

Este ano, uma onda de calor recorde combinada com uma seca de meses durante a temporada de cheias causou grandes estragos no sul da China, geralmente rico em água.

Secaram partes do rio Yangtze e dezenas de afluentes, afetando drasticamente a capacidade hidrelétrica e causando apagões contínuos e racionamento de energia à medida que a demanda por eletricidade aumenta.

Os estoques de grãos garantem o abastecimento do mercado interno com certa tranquilidade, porém as compras de commodities de grãos para 2023 devem bater recordes e favorecer países produtores, como o Brasil.

Para enfrentar este cenário, a China deve desburocratizar processos de compras, como diminuir restrições e aumentar o número de frigoríficos inspecionados.

Por outro lado, a dependência do Brasil por produtos manufaturados, insumos, peças e máquinas da China, deve provocar aumentos de preços e atrasos. É preciso muita serenidade e negociação junto a fornecedores na tentativa de minimizar os impactos da escalada de preços. Brasil e China andam juntos e se completam nas oportunidades e dificuldades a todo momento.

 

*Artigo de Eduardo Ponticelli, natural de Porto Alegre; residente em Shanghai, na China por 15 anos; consultor de Comércio Exterior; COO Funder Illec International Limited; Especialista em China; diretor FORO Brasil China

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