Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Segundo dados do Ministério da Saúde, estima-se que aproximadamente 30 mil crianças nasçam com doenças cardíacas no Brasil todo ano. Muitas dessas cardiopatias são graves e podem colocar em risco a vida desses bebês, sendo que 40% vão precisar de cirurgia ainda no primeiro ano de vida. 

Para esclarecer eventuais dúvidas sobre o tema, Paulo Viana entrevistou o cardiologista fetal Marcelo Brandão da Silva e a cirurgiã fetal Talita Micheletti Helfer, que integram a coordenação do Instituto Materno-Fetal Celso Rigo da Santa Casa de Porto Alegre. 

Confira abaixo as principais dúvidas sobre o tema:

O que é cardiopatia congênita?

Cardiopatias congênitas são doenças causadas por malformações do coração, que ocorrem durante a vida fetal

O que causa a cadiopatia congênita?

A maior parte dos casos de cardiopatias congênitas não está associada a nenhum fator de risco, ou seja, podem ocorrer em qualquer gestação. Algumas vezes as cardiopatias podem estar associadas a algumas síndromes, como a Síndrome de Down ou outras.

Em alguns casos pode haver um componente genético, quando verifica-se a ocorrência de vários casos em uma mesma família. Existem alguns fatores de risco para que o bebê tenha uma cardiopatia como em casos onde a mãe tem alguma doença (como a diabete melito ou outras) mas a maioria dos casos ocorre em  gestações sem fatores de risco

Quais os sintomas e principais tipos?

Existem diferentes tipos de cardiopatias congênitas, dependendo do tipo de malformação cardíaca. Elas podem ser classificadas, de uma forma geral, em cianóticas (quando causam dificuldade em oxigenar o sangue), acianóticas (quando os sintomas são associados à insuficiência cardíaca ou obstrutivas (quando há obstruções ao fluxo sanguíneo que o coração ejeta).

Como fazer o diagnóstico precoce de cardiopatia congênita?

O diagnóstico das cardiopatias congênitas pode ocorrer precocemente durante a gestação, em alguns casos desde a ecografia morfológica do primeiro trimestre, que é realizada entre  11 e 14 semanas (terceiro mês). Alguns sinais como translucência nucal aumentada, alterações do ducto venoso e regurgitação tricúspide podem ser os primeiros indícios de uma cardiopatia congênita.

Entretanto, o diagnóstico das cardiopatias no feto normalmente é feito no segundo (durante a ecografia morfológica do segundo trimestre) ou terceiro trimestre (usualmente durante a realização de uma ecocardiografia fetal). Para confirmação do diagnóstico sempre é recomendado realizar uma ecocardiografia fetal, que pode ser feita desde 12-13 semanas de gestação, mas idealmente a partir das 20 semanas de gestação.

Caso a cardiopatia não tenha sido diagnosticada durante a gestação, o diagnóstico precoce é feito pelo teste do coraçãozinho, que é realizado de rotina nas maternidades ou pode ser suspeitado pelo pediatra quando realiza o exame físico do recém nascido. Havendo alguma suspeita de cardiopatia deve ser realizado o exame de ecocardiograma para confirmação.

Cardiopatia congênita tem cura?

Algumas delas podem ser curadas por cirurgia, outras tem resolução espontânea com o crescimento da criança. Nas demais (que são a maioria) não há propriamente uma cura, mas há tratamento que permite a criança crescer e se desenvolver, podendo levar uma vida normal.

Quanto tempo vive um cardiopata congênito?

Isso depende do tipo de cardiopatia. Em algumas delas, quando tratadas adequadamente e no tempo correto, a expectativa de vida pode ser igual a de qualquer pessoa. Em outras, mais graves, e que precisam passar por várias cirurgias cardíacas, a expectativa de vida é um pouco menor. Importante ressaltar, que, independente do tipo de cardiopatia, sempre há possibilidade de tratamento e de melhora na expectativa de vida.

Como é feito o tratamento para cardiopatia congênita?

Dependendo da cardiopatia, o tratamento pode começar durante a vida fetal, quando o bebê ainda está dentro do útero da mãe. Cardiopatias que levam ao surgimento de arritmias (batimentos fora de ritmo) podem ser tratadas com medicações administradas à mãe.

Algumas estenoses (estreitamentos) das válvulas do coração podem ser tratados com cirurgia intrauterina, que requer anestesia do feto e manipulação do coração por técnica minimamente invasiva e guiada por ecografia. Quando o tratamento não é possível durante a gestação, normalmente é iniciado nos primeiros instantes de vida do bebê. Por isso, é muito importante que o nascimento de um bebê com cardiopatia congênita seja programado em centros especializados e que contem com equipe de cardiologia e cirurgia cardíaca pediátricas. 

Algumas cardiopatias podem necessitar tratamento imediato após o nascimento, incluindo internação em UTI cardiológica e até mesmo cirurgia cardíaca já nos primeiros dias de vida.  Em cardiopatias graves, é fundamental que o tratamento inicie logo após o nascimento e que a correção cirúrgica seja realizada brevemente, pois isso aumenta as chances de sucesso do tratamento.

Quando suspeitar que uma criança tem problemas no coração?

É importante ressaltar que toda criança deve manter um acompanhamento regular com seu pediatra. O pediatra é o profissional responsável por acompanhar o desenvolvimento da criança e capaz de detectar sinais ou sintomas de uma cardiopatia congênita. Os principais sintomas das cardiopatias congênitas são a cianose (cor arroxeada da pele e mucosas), o cansaço exagerado aos esforços ou a presença de sopros cardíacos (percebidos pelo pediatra durante o exame físico).

Meu bebê recebeu o diagnóstico de uma cardiopatia congênita. O que eu faço?

Deve imediatamente procurar um profissional da área (cardiologista pediátrico) para que possa avaliar seu bebê e definir qual a gravidade e o tratamento necessário. Algumas cardiopatias são menos graves e podem até não necessitar de tratamento, mas isso precisa ser avaliado por um profissional da área, que é o cardiologista pediátrico

Existem formas de prevenir a cardiopatia congênita?

Sim! Algumas cardiopatias congênitas podem ser evitadas quando condições ou doenças da mãe são otimizadas, como por exemplo o bom controle da diabetes ou de doenças reumatológicas. Também, é recomendado ter cautela com uso de medicações durante a gestação, já que o uso de algumas delas se associa a maior risco de malformações do coração.

As gestantes também devem evitar, na medida do possível, expor-se a infecções. Para as doenças genéticas que causam cardiopatias normalmente não há cura, mas alguns casais podem se beneficiar de aconselhamento genético e de técnicas de reprodução assistida. Além disso, cada vez mais tem-se estudado a importância de um estilo de vida saudável para todo o desenvolvimento do feto, bem como para o funcionamento do seu coração durante a vida adulta. 

Quais os avanços na cardiologia fetal?

Certamente o diagnóstico precoce das cardiopatias na vida fetal permite uma abordagem mais adequada, seja na vida fetal ou na vida pós-natal. A realização de ecocardiografia fetal precoce representa um grande avanço nesse sentido. Os avanços da genética também permitem, cada vez mais, uma compreensão adequada das doenças congênitas do coração.

Novas tecnologias como ecografia tridimensional, avaliação funcional do coração, ressonância magnética e até mesmo ferramentas de inteligência artificial tem se tornado cada vez mais habituais. Além disso as cirurgias intrauterinas estão mais bem-estabelecidas. Importante ressaltar que, com o avanço da tecnologia, hoje é possível detectar qualquer tipo de cardiopatia congênita na vida fetal e isso pode ter um impacto decisivo no sucesso do tratamento dessas patologias.

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