Moisés Machado

Foto: Giovanna Kops / RDCTV

O crush

Passos apressados, cabelos aparados e no rosto ainda podia sentir-se o cheiro da loção pós barba. Sapatos marrons, jeans azul e uma dessas camisas da moda (que em Dom Pedrito seria coisa de fresco) afinada na cintura, mangas e colarinho de outra cor, azul marinho na sua totalidade com algumas florzinhas brancas. Tudo para combinar com seu novo visual, sem bigode, raspado após a separação. Assim Jorge vai ao encontro da sua “crush“.

Você não sabe o que é crush? Jorge descobriu depois do divórcio. Se você é jovem, sabe o que é crush. Se não sabe pergunta para sua sobrinha, se não tem sobrinha, ou nenhum jovem por perto, joga no Google, se você souber o que é Google.

Aliás, o Google foi o guru de Jorge para ganhar Marcinha. Olhos verdes, corpo construído na academia, 22 aninhos. Até a separação Jorge nunca havia pisado em uma academia. Mas leu no Buzzfeed que fotos na academia fazem sucesso. Não conhece o Buzzfeed? Dá um Google.

Mas não foi na academia que Jorge conheceu Marcinha. Ele só foi lá para se matricular e tirar algumas selfies – como quase todo mundo. Conheceu ela no Tinder e ela não se importou com seus 47 anos. Ao contrário, encheu a bola do quase cinquentão ao dizer: eu adoro homens maduros – com aquela voz sexy no áudio de Whatsapp. Bela, recatada e do lar. Bem, não era assim lá muito do lar, mas, do bar com certeza. E uma mulher muito inteligente. Quando ela disse gostar de literatura, rapidamente Jorge foi no Google, claro, e pesquisou tudo que podia sobre Pablo Neruda, Mário Quintana e, segundo ele, um tal de Dostoivéski. Aliás, se não fosse o copiar e colar, jamais ele conseguiria escrever o diabo do nome do “caboclo”, assim ele chamava o maior romancista russo.

Mas parece que Jorge convenceu bem, afinal está à espera da crush na praça da Alfândega. Google é excelente para construir um pseudo intelectual. Somado ao Photoshop, onde seu primo o colocou em Paris, Madrid, Nova York e até em São Petersburgo, onde ele disse a Marcinha ter conhecido a casa onde viveu Dostoiéveski.

Jorge senta ao lado de um velho lendo jornal, aliás, nem tão velho, pensa Jorge:
– deve ter uns 10 anos mais que eu, apenas.

Mas olha as roupas, em frangalhos. Cabelos sujos e desalinhados, barba por fazer.
Parece mais um mendigo, concluiu.

Ainda falta uma meia hora para Marcinha chegar, vou puxar papo com este velho, digo, este distinto senhor. Bem, nem tão distinto. Com essa cara, esse velho deve comer essas putas da terceira idade que fazem programa aqui na Alfândega, certo que sim. Tão certo quanto dois e dois são quatro – pensa. Finalmente, puxa assunto.

– Tudo bem, senhor?
– Tudo.
– Calor, né?
– Pois é, bastante.
– Tragédia no jornal?
– O de sempre – responde o velho, com um olhar tedioso, não mais apenas que sua voz pastosa.
– O senhor parece ansioso? – pergunta o âncião lançando uma inquietação sobre Jorge.
– Um pouco, estou esperando minha crush.
– Sua cr.. – o velho não consegue repetir a palavra.

Jorge, orgulhoso, sentindo-se com 20 anos, completa.

– Crush, é uma gíria dos jovens para ficante, namorada, sabe.
– Mas o senhor não é tão jovem assim – devolve o velho.

Jorge com uma olhar ofendido, mentalmente xingando o velho, responde:

– Bem, tenho 47 anos.
– Dez a menos que eu – responde o velho, pensando: que cretino, pensa que esse cabelo acaju o tornará mais jovem. – Mas crush então é flerte, paquera? – pergunta o velho, quase rindo.
– Sim.
– Mas o senhor não deveria estar casado, filhos adolescentes, netos?
– Bem, filhos adolescentes eu tenho. Mas me separei tem cerca de um ano. Também não tenho netos – responde Jorge, já arrependido de ter puxado assunto.
-Entendi – diz, o velho, fechando o jornal, que até então mantinha aberto.

O senhor grisalho e com barba por fazer, respira fundo, olha firme para rua, retorna o olhar e encara Jorge de forma firme.
– Eu também me separei 10 anos atrás. Logo em seguida eu conheci a Clara… Ah a Clarinha – o velho levanta a cabeça e olha para o horizonte como se nada visse a sua frente e respira ainda mais fundo que da primeira vez.

– 22 aninhos, moça bonita, bem feita de formas, olhos azuis. Uma moça muito inteligente, gostava muito de ler, eu para não ficar para trás, comprei aqui nos sebos da rua da ladeira alguns livros do Quintana, Neruda, até um tal de Dostoi´..
– Dostoiéveski? – completa Jorge com um tom de desprezo.
-Sim, você conhece? – pergunta o velho, entre surpreso e irônico.
-Sim.
-É, eu nunca li, comprei só para impressioná-la. Queria que ela me achasse um intelectual. Mas não deu lá muito certo.

– Por que ? – indaga Jorge.

O velho guarda o jornal dobrado embaixo da perna esquerda, com a voz ainda mais pastosa e a boca seca, não se sabendo se pelo forte calor ou pelo que viria a seguir. Em tom melancólico e saudosista, com um olhar úmido e distante inicia o relato.

– Eu era bem de vida, sabe? Mas mulher nova, bonita e carinhosa, faz um homem gemer sem sentir dor, já diria Zé Ramalho. Eram viagens a Paris, Nova York, até a casa daquele filho da puta daquele russo ela quis conhecer, em São Petersburgo. Quando nos conhecemos, eu disse que já tinha visitados esses lugares, foi minha ruína, ela quis que eu a levasse e isso corroeu minha conta bancária como um câncer terminal. Sem contar os sapatos caros, bons restaurantes e aquele maldito carro parcelado a perder de vista, que eu dei a ela. Por fim ela me trocou pelo personal trainner da academia em que eu me matriculei e fui apenas umas duas vezes. A mim sobrou a sarjeta e a pensão pulguenta ali na Farrapos. Aposentado, passo o dia aqui lendo o jornal, de ontem, ou jogando dama com outros velhos ferrados como eu e no máximo eu consigo é comer aquelas putas ali da terceira idade, quando o Estado não atrasa minha aposentadoria.

O velho interrompe o relato, olha para o meio da praça como se buscasse alguém com o olhar. Até que parece encontrar, para os olhos, fita uma senhora que sorri, ele sorri de volta e faz um leve movimento vertical coma  cabeça.

– Veja, aquela é a Cláudia, minha preferida.

Neste momento atravessa o caminho de olhares uma jovem moça, o velho a segue com o olhar, a encara e cutuca Jorge nas costelas com o cotovelo, está vendo aquela moça? Antes de Jorge dizer algo, ele completa: Clara se parecia muito com ela.

Gaguejando, Jorge responde.
– Aque..quela é a Márcia, minha paquera – diz Jorge, com um olhar entre o perdido e o desesperado.
Jorge a encara e o pensamento se perde – olha essa dissimulada, olha que espetáculo de mulher. Que coxas e esse decote – pensa com seus botões.

Sorridente, Marcinha caminha na ponta dos pezinhos número 35, as coxas torneadas escapam pela fenda da saia, que mais parece ter sido comprada na seção infanto-juvenil. Um decote que quase faz um moto boy invadir uma banca de revistas.

Ela dá um pulinho:

– Oi Jorgitooo – assim mesmo, esticando a letra “O” – ela arma o bote para pular no pescoço de Jorge, mas de imediato é repelida.

Aos berros, Jorge vocifera, chamando a atenção de todos:

– Sua piranha! É isso que você quer, arruinar com minha vida. Acabar com minha empresa e eu ter que morar num pensão na Farrapos e comer a Cláudia.
– Quem é Cláudia? – diz Marcinha, entre atônita e chorosa.
– Foda-se quem é Cláudia! Táxi! – arrepende-se, tira o Iphone 10 do bolso. Táxi não, vou chamar um Uber. E você, sua piranha, vou te dar unfollow no Insta, block no Whats e você suma – E sai, resmungando: – ora vejam, eu, um intelectual, bem sucedido e bem vivido, vou deixar uma piranha juvenil acabar com minha vida.

Marcinha desanda em um choro de dar dó. Enquanto, é amparada pelo velho.
– Calma moça, tome aqui um lenço. – oferece o velho.
Marcinha assoa o nariz com delicadeza, com um olhar perdido agradece ao bom velhinho.
– Obrigada.
– Imagina, não agradeça. Vamos ali no café Paris, você toma uma água, se acalma.
Marcinha engole o choro.

– Paris, que coincidência, esse idiota havia prometido me levar a Paris.
– Sério? – diz o velho, com um olhar malicioso.

– Que coincidência, estou indo novamente para lá mês que vem. Vamos, vamos ao café. Apenas, antes, deixe-me pegar uma encomenda que chegou para mim aqui nesta banca, um clássico de Dostoiéveski.

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