Eu já tive medo de perder jogo fácil; eu já temi demais encarar gigantes; já me angustiei nas vezes em que o Inter não sabia se olhar no espelho e se reconhecer, e poderia assim perder para si mesmo; temi quando o colorado sabia, de fato, que era menos do que poderia e do que merecíamos que ele fosse; já tremi com a horripilante ideia de cair para a série B e, depois, palpitei acelerado pela possibilidade de não subir; também suei frio quando tivemos vantagem no placar, e isso poderia se tornar zona de conforto. Porém,na outra ponta dessa relação, tive muita taquicardia e angústia nas vezes em que precisávamos subverter a vantagem do adversário e, para isso, precisaríamos correr muito mais.
O medo é algoz dos que fazem dele soberano, no entanto, é guru dos que sabem que ele inspira prudência e respeito, reflexões e limites.

Medo! Medo?
Que se dane o medo.

Aprendi com ele e o dominei. Hoje eu sei quem sou, para onde quero ir e como faço para chegar! Hoje, a confiança transpassa uma espada nos nervos do medo e me reveste da coragem mais genuína e honesta que o futebol pode permitir.

Não temo o Athlético, nem a vantagem de um gol, nem nada.

O Inter de Odair me fez controlar a respiração e o frio na barriga, percebendo os sinais da maturidade coletiva, de reconhecer a entrega. É na entrevista de um Rodrigo Lindoso, reforçando que final não se joga, mas sim se ganha, ao rebater, confiante, o técnico adversário, que alicerço minha certeza; é no desgaste de D’alessandro compensado na imediata confirmação de que ele jogará, que sei da doação de toda a energia vital, é na casa lotada com 50 mil familiares, filhos do mesmo pai e mesma mãe, que é o amor e a devoção ao Inter, e é no tesão do time reserva, que, patrolando em Belo Horizonte, me permitiu me enxergar dando voltas olímpicas na madrugada de amanhã.

Contudo, mais do que esses episódicos detalhes recentes de véspera de jogo, as construções ao longo das últimas três temporadas edificaram em mim a certeza de que chegou nossa hora.

Fomos ao porão do futebol brasileiro, amargamos tempos rotos, voltamos lateralizados, sonegados pela elite da série A, vilipendiados por abutres, mas sempre dignos e serenos. Nos refizemos, refugiados em nosso recanto e ali forjamos o aço que nos veste atualmente. Fizemos campanha aguerrida no ano que passou e ali deixamos o recado de que depois de mergulharmos no charco pútrido da derrota e do fracasso, voltaríamos renovados e preparados para bater de frente com nossa glória.

Se apostou em um técnico da casa, sem holofotes, mas com identidade. Um técnico que soube se remontar quando errou e revitalizar sua proposta, buscamos reforços e montamos um time híbrido – dos craques continentais como Guerrero e D’alessandro, aos contestados que se fizeram hercúleos como Lindoso e Bruno. Mantivemos a cerviz ereta e fomos ao campo de combate.
Encampamos assim uma trajetória fortificante na Libertadores da América, cruzando por grupo de campão, eliminando os menos protagonistas e parando em um time que se fez, para esse momento, que legitimamente nos impôs o revés e a queda. E dali revisitamos o amargo sabor, entretanto, de fórmula diferente: uma derrota que ensina e que não traumatiza. Em mescla de titulares e reservas, estouramos a corda do Brasileirão e tiramos a previsibilidade da disputa do título, ficando até então no pingue-pongue dos milionários. Estamos no páreo com mérito e garra. Porém, guardamos nosso arsenal para a Copa do Brasil.

E na Copa do Brasil escrevemos o seguinte roteiro:
Dominamos e subjugamos o Paysandu, pois é esse o cenário previsto num duelo de realidades distintas – todavia, que não era lógico para o Inter, que por vezes se complica com os pequenos – e ao desidratarmos o time paraense de cara, superei um medo e um trauma (O duelo com times menores).

Depois, quis o destino que caíssemos no mapa do Palmeiras, atual campeão brasileiro, galático e milionário. E o país já cantava a toada dos paulistas que saíram vitoriosos no primeiro confronto. Então, um povo do sul do Brasil, que veste a cor do sangue e canta forte fez diferença, e no ringue nocauteamos o homérico Verdão. Dois gols paridos na gana e muita entrega inspirada e transpirada. Só que diante dessa apoteose de roteiro, nos tiraram um gol legítimo, com recursos, com vídeo e com a verdade. Deram de ombros para tudo isso e nos fizeram padecer nos minutos finais. Penalidades. Gol a gol. Defesa a defesa. Até que Moisés tremeu diante do mar vermelho e a justiça desatou a venda dos olhos e nos brindou com a classificação épica. Aqui superei meu segundo anseio (Encarar gigantes).

Aí então veio novo desafio: o Cruzeiro, o atual Bicampeão da Copa, maior vencedor do torneio, mas que vive instante da sua história muito semelhante ao contexto que vivemos quando da nossa pior fase: guaxinins dentro da toca e pouco futebol como resultado. Fase complicada, mas, ainda sim com musculatura para nos dobrar. Fomos até Minas Gerais e fizemos o imprevisto: jogamos mais que os mandantes e saímos vitoriosos. Voltamos para casa com uma vantagenzinha na mala de mão. Nada de surpreendente, um bibelô de esperança. Nesse miolo de tempo, a Raposa trocou comando e atitude e isso assustou, confesso. Tive pavor da ideia de ver a tragédia da eliminação em casa depois de empunhar vantagem. Que nada! Fizemos a garbosa apresentação da temporada e não tomamos conhecimento do adversário. Foi uma aula de futebol, os 3×0 vieram ao natural. Classificação da maturidade. E aqui derrubei a última barreira do medo (classificar vencendo fora, mantendo vantagem e destruindo em casa, tudo na tempesdade do mata-mata importante).

De toda essa caixa de pandora, com Marcelo Lomba se tornando um muro –quase- instransponível, Moledo e Cuesta na dobradinha de uma defesa sólida e classuda, com Bruno envergando experiência e entrega, com Lindoso se tornando peça fundamental no time e dando centrífuga para a saída de primeira volância, com Edenilson jogando em altíssimo rendimento sempre, com Patrick, mesmo oscilante, se fazendo fluído e desaguando em todo campo – no combate, na servida e no arremate -, com Uendel carregando à força o lado esquerdo, com D’alessandro sendo biônico e não refletindo a idade com jovialidade e talento-nato, com Nico, Sóbis e Wellington Silva mesclando o mecanismo de escape e solução alternada na hora de precisão e com o fenomenal e letal Paolo Guerrero surgindo como um sniper quando necessário, acabei por ruminar o medo. Mastiguei, degluti e o devolvi todo retorcido diante do jogo da quarta passada. Saí do Paraná com o silêncio do torcedor mandante, pois sabiam que se não fizessem 2 ou mais gols, teriam problemas aqui. E terão.
Terão uma nação enlouquecida, ruas de fogo, estádio infernal, essa máquina construída para vencer e o desejo como ritmo. O desejo de se encontrar com seu destino. Nosso destino é ser campeão e vamos lá escrever essa página que falta.
Pode dar errado? Tenho consciência disso, mas não quero abrir essa gaveta. Deixa para outra hora.

Belchior me inspira pro jogo e encerro meu conclame de campeão, entoando:

“Tenho sangrado demais,
Tenho chorado pra cachorro,
Ano passado eu morri,
Mas ESSE ANO EU NÃO MORRO”.

Foto: Divulgação

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