| Carlos Eduardo Netto |
Uma prévia do artigo “A dinâmica da infecção de Sars-CoV-2 em crianças e contatos domiciliares em uma comunidade pobre do Rio de Janeiro” mostrou que crianças tendem a transmitir o coronavírus menos do que adultos.
O estudo foi realizado de maio a setembro de 2020, em parceira com pesquisadores da Universidade da Califórnia (UCLA) e da London School of Hygiene and Tropical Medicine (LSHTM).
A pesquisa, que ainda será publicada na Pediatrics, revista científica da Academia Americana de Pediatria, acompanhou 667 pessoas, sendo que 323 eram crianças de 0 a 13 anos, 54 adolescentes de 14 a 19 anos e 290 adultos. Entre as crianças, apenas 45 delas, ou seja 19,95%, testaram positivo para Covid-19.
O estudo ainda mostra que a infecção foi mais frequente em crianças com menos de um ano de idade e na faixa de 11 a 13 anos. Todas elas tiveram contato com algum adulto ou adolescente com sinais recentes de Covid-19.
Comparado com os dados gerais do Rio de Janeiro, o estudo mostra que um terço dos contatos domiciliares pesquisados tinham sido expostos ao vírus por vota de agosto de 2020. Essa taxa é maior do que registrado em toda a população da cidade: 33% contra 7,5%.
Para os pesquisadores, “as crianças incluídas no estudo não parecem ser a fonte da infecção de Sars-CoV-2 e mais frequentemente adquiriram o vírus de adultos”.
“Nossas descobertas sugerem que em cenários como o estudado, escolas e creches poderiam potencialmente reabrir se as medidas de segurança contra a Covid-19 fossem tomadas e os profissionais adequadamente imunizados”, diz o texto.
Pouco sintomáticas
As crianças, no geral, são normalmente assintomáticas, além de seguirem menos os protocolos de higiene e de distanciamentos, por isso elas poderiam ser uma fonte de transmissão, lembra o estudo. Tudo isso fez com que escolas fossem fechadas por longos períodos de tempo.
“Uma melhor compreensão do papel das crianças na dinâmica de transmissão é de importância fundamental para desenvolver diretrizes para a reabertura das escolas em segurança e de outros espaços públicos, além do desenvolvimento de estratégias de imunização”, diz o artigo.
Para os pesquisadores, isso é particularmente importante em comunidades pobres, onde há um grande número de pessoas vivendo em uma mesma casa.
O ponto de partida para a pesquisa foi o acompanhamento de crianças com menos de 14 anos que buscaram algum tipo de atendimento no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), em Manguinhos. Essas crianças passaram, então, a serem visitadas em casa, sendo submetidas a testes de PCR e de sorologia (IgG). Adultos e adolescentes nessas casas também foram testados.
Um total de 32,6% (79/242) das crianças com menos de 14 anos e 31% (72/231) dos contatos familiares tiveram testes positivos, indicando que já tinham sido expostos ao Sars-CoV-2 até setembro de 2020.
Das 45 crianças com testes positivos, 26 tiveram contato com um adulto também positivado. As outras 19 tiveram contato com adultos que não consentiram em fazer o teste, mas que relataram sintomas suspeitos de Covid-19. A pesquisa observou também uma proporção maior de crianças com menos de um ano infectadas, em comparação com grupos pediátricos de outras idades, o que seria atribuído ao contato direto com as mães. Enquanto um estudo na China revelou uma taxa de infecção de 17% em bebês, a pesquisa feita em Manguinhos registrou aproximadamente 30%.
“A menos que essas crianças fossem portadoras do Sars-CoV-2 por um longo período, nossos resultados são compatíveis com a hipótese de que elas se infectam por contatos domiciliares, principalmente com seus pais”, diz o artigo, “ao invés de transmitir para eles”.
O estudo, no entanto, destaca que o período de sua realização coincidiu com o fechamento das escolas, o que levanta a hipótese de os adultos serem maiores transmissores porque continuaram se expondo por causa de trabalho.
Os pesquisadores ainda ressaltam que mesmo que as crianças sejam fontes menores de infecção, é necessário que elas sejam incluídas nos ensaios clínicos de vacinação.
“Se no mínimo 85% dos indivíduos suscetíveis precisam ser imunizados para conter a pandemia de Covid-19 em países de alta incidência, esse nível de proteção só pode ser alcançado com a inclusão de crianças em programas de imunização, principalmente no Brasil, onde 25% da população têm menos de 18 anos”, afirmam.
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