Vereadora Mônica Leal é a autora do projeto. Foto: Ederson Nunes/CMPA

Na última semana, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou um projeto de lei proibindo a publicação, comercialização e circulação do livro “Mein Kampf” no município. A obra foi escrita por Adolf Hitler e é um misto de autobiografia com panfleto político, na qual o ditador defendia suas ideias extremistas e racistas.

“A difusão dessa obra tem um potencial lesivo incalculável, além dos danos que já produziu por meio da propagação de ideais nefastos que a obra preconiza, e que protagonizou, seguramente, como uma das páginas mais sombrias da história recente da humanidade”, argumenta a autora da proposta, a vereadora Mônica Leal (PP), na justificativa do projeto.

Conforme o PL aprovado, o descumprimento acarretará em apreensão do material, multa, suspensão e até cassação do Alvará de Localização e Funcionamento do estabelecimento, em caso de reincidência. A decisão foi comemorada pela Federação Israelense no Twitter.

À reportagem da RDC TV, a vereadora Mônica Leal destacou que o projeto foi fruto de pesquisa e que o Rio de Janeiro já aprovou uma lei semelhante. “Não podemos permitir que essas ideias sejam absorvidas, principalmente pelos jovens”. A parlamentar cita um levantamento feito pelo UOL que indica que um terço dos ataques realizados em escolas no Brasil desde 2019 têm relação com conteúdos nazistas.

“Como a minha atuação é em Porto Alegre, foi aqui que fiz a minha proposição. Não podemos permitir que conteúdos criminosos sejam distribuídos livremente. Tudo que vem deste crápula precisa ser banido”, argumentou, lembrando ter ouvido de um comunicador israelita o sentimento quando viu o livro exposto em uma livraria. “Este livro em uma vitrine é um insulto, principalmente às vítimas do holocausto”, analisa.

Mônica também lembra que o Rio Grande do Sul é um estado com forte presença de grupos neonazistas. “Semana passada tivemos o julgamento dos réus que agrediram um grupo que usava um quipá, um símbolo sagrado para a religião israelita. O ataque aconteceu em 2005. Em 2009, um segurança negro da Trensub foi atacado pelo mesmo grupo, não são mais casos isolados”, alertou.

A vereadora também cita que de acordo com um levantamento realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apontando que no Brasil há pelo menos 10 mil pessoas ligadas a movimentos neonazistas. “O número vem crescendo, antes da pandemia eram cinco mil”.

Para a autora do projeto, a lei não torna impossível a disseminação deste material, “mas em Porto Alegre não há espaço para nazismo. Não há liberdade de expressão que possa salvaguardar um livro de um genocida”, conclui.

“Não é efetivo e pode ter efeito contrário”, critica pesquisador

A medida, no entanto, pode não ser tão eficaz no combate à propagação de ideias nazistas, de acordo com o professor Alexandre Linck, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, da Unisul. “Não é efetivo e pode ter efeito contrário. Primeiro porque municipalmente não tem muito como controlar isso, ainda mais se tratando de Mein Kampf que tem sido baixado na internet de maneira ilegal”, alerta o pesquisador.

“O que tem dado mais certo, não só no Brasil, mas no mundo todo tem sido a prática de publicar estes livros a partir de paratextos, com prefácios, posfácios, notas de rodapés. Existe uma versão alemã muito elogiada que somando todos os paratextos tem mais conteúdo do que o próprio livro. Porque a ideia dos autores foi, para cada frase de Hitler, contextualizar, mostrar o que ele está mentindo, mostrar os problemas de cada questão que ele está tentando levantar”, argumenta.

Neste sentido, Linck acredita que a solução legislativa não poderia ser municipal, mas federal. “Assim como tem classificação indicativa, 12, 14, 16 anos. Também ter uma classificação indicativa de obras que propagam discurso de ódio e ter a obrigação que elas saiam com textos de acompanhamento”, comentou.

Para o pesquisador, o maior problema é a circulação de exemplares que trazem apenas o texto original, tanto em bancas, como em livrarias e também pela internet. “A proibição traz o risco de essa obra ser procurada de forma ilegal, pirata, e, aí mesmo é que não terá conteúdo crítico acompanhando, o pessoal terá só a obra na internet, que não por acaso, são grupos neonazistas que distribuem. No final das contas, o que se tenta que é um censura de boa intenção, acaba descambando, na verdade, em um incentivo ainda maior a um mercado paralelo neonazista”.

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