Quem poderia imaginar que seria o Supremo Tribunal Federal o responsável pelo maior ataque à liberdade de expressão desde que os militares instituíram o AI-5? A ação movida pelo ministro Alexandre de Moraes contra a revista Crusoé consuma um processo de acumulação de poder que fez a Corte transgredir sua função jurisdicional. O órgão responsável por garantir o cumprimento da Constituição tornou-se o agente ativo de um severo ataque ao Estado de Direito.
Em sua última edição, a revista Crusoé veio com uma reportagem relatando que Marcelo Odebrechet, delator da Lava Jato, havia citado Dias Toffoli como sendo o “amigo do amigo de meu pai”, figura dos autos que seria amiga de Lula, que por sua vez era amigo de Emílio Odebrecht. Segundo os editores da matéria, ela era baseada nos autos da investigação. A documentação citando Toffoli teria sido remetida à Procuradoria Geral da República, que negou seu recebimento. A confusão entre “remetida” e “recebida” foi o suficiente para que o conteúdo da notícia fosse considerado falso, o que motivou uma ação censuradora por parte de Alexandre de Morais, que havia sido designado relator do caso. O magistrado determinou que a publicação fosse tirada de circulação.
A coisa toda já havia começado muito mal quando o presidente da Corte, Dias Toffoli, instaurou um inquérito genérico para investigar supostos ataques e a disseminação de “fake news” contra o STF e seus integrantes. Abriu-se um precedente gravíssimo, já que o procedimento é sobre fatos indeterminados. Agravante: o Ministério Público, titular absoluto das ações penais, não foi incluído na ação. É função do MP, e não do STF, atuar como braço acusatório do Estado.
Na esteira de duas ilegalidades, Dias Toffoli cometeu uma terceira: passou por cima do princípio do juiz natural. Ao invés de submeter o inquérito ao sistema de sorteio do STF, indicou ele mesmo um responsável. Alexandre de Moraes virou uma espécie de juiz biônico do caso.
Trata-se de um precedente gravíssimo. Ao longo dos anos, o STF foi aumentando sua participação na vida pública nacional. Além de julgar, passou a tutelar o Executivo e o Legislativo. A Corte se comporta como um poder moderador do país. O resultado é a relativização de competências, o baguncismo institucional e a completa insegurança jurídica. Não há democracia que se sustente ente um contexto assim.
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF