Na véspera da votação em primeiro turno da PEC 295/2023, que institui a imutabilidade dos símbolos do Rio Grande do Sul, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos promoveu uma audiência pública para debater a letra do Hino do Rio Grande do Sul. O encontro, proposto pela deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), reuniu no plenarinho da Assembleia Legislativa, na noite desta segunda-feira (3), ativistas do movimento negro, historiadores, sindicalistas e militantes dos movimentos antirracista e antifascista.
Entidades que representam o povo negro defenderam a rejeição da PEC, apresentada pelo deputado Onix Lorenzoni (PL) e outros 19 deputados, e a realização de um amplo debate com a sociedade gaúcha sobre a alteração da letra do hino, que consideram racista. A crítica diz respeito aos versos “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. “O pano de fundo desta proposta é a chegada da bancada negra na Assembleia Legislativa. Sempre estivemos neste território, servindo e limpando. Mas pela primeira vez, numa bancada. E isso desacomoda os que sempre dominaram este espaço. A PEC é uma forma de dizer que este não é o nosso lugar”, afirmou Bruna, que, junto com a presidenta da CCDH, Laura Sito (PT) e o deputado Mateus Gomes (PSOL), integra a primeira bancada negra no parlamento gaúcho.
A presidenta da comissão argumentou que a Constituição Estadual já protege os símbolos gaúchos. Laura ressaltou que o movimento não é contra a tradição cultural gaúcha, mas que o povo negro tem o direito de ter “nos símbolos do estado sua dignidade garantida”. “Estamos diante da PEC do cala a boca; de uma clara tentativa de impedir que façamos este debate”, acredita.
Já o deputado Mateus Gomes lembrou que nenhum país democrático tornou seus símbolos imutáveis e que há inúmeros exemplos de alterações no decorrer da história. “A PEC desvaloriza a contribuição de nosso povo para a cultura gaúcha e busca apagar a presença dos negros na história do Rio Grande do Sul”, sintetizou.
Ele defendeu a rejeição da PEC e a aprovação do PL 2/2021, de autoria do deputado Luiz Marenco (PDT), que exige a realização de consulta referendaria para alteração dos símbolos do RS.
Aspectos históricos
O ex-deputado e historiador Raul Carrion sustentou que, caso a PEC seja aprovada, haverá espaço para que o resultado seja questionado na Justiça. Segundo ele, o hino a que a Proposta de Emenda Constitucional se refere não é o verdadeiro, criado para comemorar a vitória dos farroupilhas na Batalha de Rio Pardo em 1838. O hino que já é protegido pela Constituição, de acordo com o historiador, é o Hino Nacional (da República Farroupilha), publicado no jornal O Povo, em 4 de maio de 1839. A versão, conforme Carrion, não contém os versos considerados racistas.
O historiador Rivair Macedo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), elaborou um parecer para o Conselho de Desenvolvimento do Povo Negro em que sustenta que os símbolos têm a função de produzir adesão e coesão social. E, quando isto não acontece, eles devem ser repensados.
Sobre a letra do hino, argumentou que o debate não se restringe apenas à conjuntura do século XIX, quando foi elaborada, mas à perpetuação de uma linguagem senhorial e escravocrata na atualidade.
Entidades
A audiência foi marcada por manifestações de dezenas de representantes de entidades da sociedade civil, inclusive, da presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho, Ilda Borba Goulart. Ela disse que o MTG está disposto a ser parceiro do debate sobre a mudança do hino, desde que seja baseada num estudo aprofundado do tema por historiadores, músicos e letristas. “Prezamos pela democracia e pelo aperfeiçoamento de nossa cultura”, declarou.
Para a representante da Frente Negra Gaúcha, Maria Helena dos Santos, “a mudança do trecho racista do hino é uma questão de reparação história” e deve ser discutida com toda a população gaúcha.